Divulgando o Linux no Nordeste


Porque o Linux e outros programas abertos trazem novo alento ao desenvolvimento tecnológico da nossa região.  

Há meia década atrás tomei uma decisão radical no meu rumo como desenvolvedor de software. Resolvi abandonar um sistema operacional com o qual já estava bastante familiarizado, o MS-WindowsMR, -- digo isso referindo-me às suas APIs (Application Programming Interfaces) e não como um usuário tradicional -- e embarquei em um sistema novo, desenvolvido por um então estudante de doutourado de uma universidade da Finlândia. Por que tomei essa decisão tão drástica, arriscada, e com aparência de meramente aventureira? Tentarei explicar este sentimento do mais íntimo do meu ser empregando conceitos de um filósofo dos nossos tempos, que se mostra admiravelmente atual, Mahatma Ghandi.

Um dos objetivos de Ghandi era tornar a Índia um país realmente independente, não somente do ponto de vista político, mas com um povo educado, consciente e preparado para ser dono do seu próprio destino. Nenhuma palavra caracteriza melhor isso que o Swaraj. Ou, nas palavras do próprio Mahatma, "Under Swaraj based on non-violence nobody is anybody's enemy, everybody contributes his or her due quota to the common goal, all can read and write, and their knowledge keeps growing from day to day. Sickness and disease are reduced to the minimum. No one is a pauper and labour can always find employment. There is no place under such a government for gambling, drinking and immorality or for class hatred.", ou numa tradução liberal, "Sob o Swaraj baseado em não-violência, ninguém é inimigo de outrém, todos contribuem suas cotas para um objetivo comum, todos podem (têm o direito de) ler e escrever, e seus conhecimentos são mantidos sempre crescentes. Doenças são reduzidas ao mínimo. Ninguém é pobre e trabalhadores sempre encontram seus empregos. Não há lugar nesse governo para jogos (de azar), bebidas e imoralidades, e nenhum grupo social é hostilizado."

Esse mundo utópico, todavia, não pôde ser construido pelo socialismo soviético, nem acredito que seja somente questão sócio-política. Entretanto, há nichos da atividade humana que podem ser indefinidamente aproximados dessa utopia, numa convivência pacífica com as outras facetas de uma sociedade capitalista e neo-liberal como a nossa. Refiro-me ao software. Ele é uma expressão do conhecimento tal qual um livro impresso. O custo de sua produção individual é algo que se aproxima do zero, apesar de possuir um custo alto de desenvolvimento. Quando escondemos os fontes de um programa, é como se publicássemos um livro sem conclusões. O conhecimento não se multiplica, estagna. E esse modelo perverso é exatamente o que ocorre atualmente com o monopólio da empresa americana Microsoft. Podemos comprar o "livro", mas não temos o direito de examinar seu interior, de vasculhar suas páginas, de aprender com ele. Só podemos usá-lo como um peso de papel, ou um encosto para outros livros da estante.

O software aberto (ou open source em inglês) não é inteiramente novidade. Desde a década de 70, iniciativas como a Free Software Foundation, fundada por Richard Stallman, vêm desenvolvendo um esfôrço considerável para produzir ferramentas de software abertas, com o objetivo de criar todo um mundo paralelo ao dos produtos comerciais. O que faltou nesse empreendimento foi um modêlo de comercialização auto-sustentável, capaz de produzir os recursos necessários para a sua continuidade. O Linux, apesar de recente, -- suas primeiras versões surgiram no início dessa década -- permitiu a fundação de várias empresas, distribudoras desses programas, com lucro. Esse lucro possibilita o reinvestimento em mais aitivdades de software aberto. A disponibilidade dos fontes dos programas é uma garantia de que usuários e programadores do mundo inteiro poderão aperfeiçoar, corrigir os defeitos, adaptar para realidades locais, ou mesmo re-projetar os programas para atender finalidades específicas, diferentes da sua concepção original. É um efeito multiplicador impossível de ocorrer quando os ontes dos programas são controlados por uma empresa privada, invisíveis aos olhos e mentes dos programadores. Um distribuidor do Linux jamais conseguirá monopolizar o mercado, uma vez que qualquer pessoa poderá tomar os fontes do Linux e seus programas acessórios e criar uma nova distribuição a custo ínfimo. Ná prática isso já vem acontecendo, pois existem algumas dúzias de distribuições diferentes.

O que faz uma distribuição ser preferida às outras é uma seleção natural. A melhor distribuição é a que é mais fácil de ser usada, ou a que traz as caracterísitcas procuradas pela maioria. A modificação do seu copyright para algo fechado é virtualmente impossível, pois não somente o seu programador original (Linus Tovalds, o finlandês) têm direitos sobre ele. Partes do sistema operacional foram escritas por programadores espælhados nos quatro cantos da terra, e somente com a concordância deles todos esse fechamento poderia ocorrer. Recentemente tive a oportunidade de colaborar com o Alan Cox, um dos desenvolvedores do Linux e "braço direito" de Torvalds, em um compilador Cobol que eu havia escrito há vários anos, na tentativa de convertê-lo para Linux. Esse rapaz recebe um salário da empresa Red Hat (um dos distribuidores do Linux), para trabalhar desenvolvendo programas abertos, escolhendo seu próprio horário de trabalho, e os projetos de seu interesse. Essa atividade inconcebível aos olhos do capitalista convencional, mostra-se com um retorno fantástico, tendo em vista que essa empresa é a mais popular das distribuidoras de Linux.

Como se aplicam esses princípios para o Nordeste do Brasil? Nossa região dispõe de uma quantidade considerável de técnicos formados nessa área. Eles são muito sub-utilizados no modêlo atual, pois produzem acessórios para programas que não podem sequer entender perfeitamente, por não dispor dos fontes. Cabe aos nossos governantes estimular a mudança desse modêlo, fomentando a criação de software aberto baseado no Linux, BSD, Apache, PostgreSQL, Tcl/tk, e tantos outros. Outra forma de estímulo seria a adoção do Linux nas escolas secundárias, a exemplo do que já ocorre com outros países como o México, França, Canadá, Alemanha e vários países asiáticos.

Não queremos aqui evangelizar sem dar o nosso próprio exemplo. Fizemos já algumas atividades nessa direção. Realizamos alguns cursos para iniciantes em Linux, organizamos e realizamos um Installfest (festival de instalação de Linux gratuitamente, aberto ao público), participamos de palestras em empresas. Além disso, mantemos uma página na web onde disponibilizamos vários programas de nossa criação, apostilhas e transparências usadas nos cursos, informativos, etc. Tiramos dúvidas de muitos que nos procuram via e-mail, nas listas de discussão, ou mesmo na coluna "SOS Linux", publicada às quartas-feiras no Jornal do Commércio, sem nenhuma forma de remuneração.

O conhecimento é algo que podemos dar aos outros sem o temor de ter algo subtraido de nós mesmos. Colaborando com o universo do software aberto, o Brasil poderia atingir uma posição de destaque junto a essa comunidade internacional e beneficiar-se enormemente, com a redução dos custo de aquisição de programas, melhor preparação dos seus estudantes, e uma maior competitividade para o setor de serviços Nacional.